sexta-feira, 22 de junho de 2012

Centenário de Pedro Gameleira do Rêgo


Pedro Gameleira do Rêgo
100 anos




Pedro Gameleira do Rêgo , filho de Manoel Gameleira do Rêgo e Maria Romana nasceu em Pau dos Ferros/RN no ano de 1912.  O macaibense Alberto Maranhão era o governador do Rio Grande do Norte e Pau dos Ferros, que seria elevada à categoria de cidade em 1924, era governada por um Entendente. O Presidente da República era Hermes da Fonseca.
 Naquele mesmo ano nascia em Exu/PE um dos ícones da cultura nordestina e que ficou  conhecido como “o Rei do Baião” : Luís Gonzaga. Era fundado o Santos F.C. ,  clube que revelou o maior jogador de futebol de todos os tempos: Pelé. Também em 1912 o lendário navio Titanic afundou em sua viagem inaugural e os jogos olímpicos foram realizados em Estocolmo na Suécia.
Pedro morou no bairro Riacho do Meio , depois no Alto São Benedito. Casou com dona Guiomar Lopes de Queiroz  e com ela teve 22 filhos, dos quais 07 chegaram à idade adulta:

* Antônio
* Cícera
* Francisco(Gama)
* Francisco(Chiquinho)
* Maria
* Pedro
* Raimunda





 Para sustentar a família trabalhou na agricultura, foi barbeiro e pedreiro, entre outras habilidades. Em 1959 Viajou para trabalhar na construção da nova capital do Brasil . De Pau dos Ferros a Brasília, Pedro atravessou o país descobrindo um novo mundo, cuja sequencia de cidades costumava recitar uma por uma(ver texto abaixo).
Gostava de contar estórias, piadas, poesias e glosas nas praças de Pau dos Ferros ou em qualquer lugar que estivesse em companhia de amigos e pessoas queridas. Apreciava também um bom forró .
Gostava de brincar com os netos e sempre vinha a Natal no mês de dezembro visitar os parentes e alegrar a todos com suas estórias, piadas e rimas, as quais selecionamos algumas.



Como homenagem pelos 100 anos do seu nascimento( 22/10/1912) e pelos 10 anos de sua partida para a casa do Pai Celestial(24/06/2002) e no intuito de preservar a memória de um dos integrantes mais alegres e queridos da Família Gameleira,  está aqui transcrito o conteúdo de uma fita cassete gravada entre os anos de 1991 e 1992 com a participação do seu filho Francisco Gameleira Sobrinho(GAMA) e seus netos Flávio e Idalécio, em seus momentos de lazer junto ao Sr. Pedro Gameleira do Rêgo. A fita original continua preservada e o conteúdo foi remasterizado para o formato CD .





              Casa onde morou ( Alto São Benedito-Pau dos Ferros/RN)
 




Seleção de estórias, poemas e piadas de
 Pedro Gameleira do Rêgo



Fonte: fita k7 gravada entre 1991/1992 em suas visitas de fim de ano a Natal/RN.
Objetivo: Homenagem aos 100 anos de nascimento de Sr. Pedro, 10 anos do seu falecimento e 20 anos de gravação da fita k7.
Obs.: As expressões regionais, bem como os nomes de personagens citados nas piadas, poesias e estórias aqui relatadas estão de acordo com a fita k7 original.



Eu vim da Pescaria, era um lugar muito esquisito:
a geladeira era um pote, o guarda-roupa, um cambito,
o transporte era um jumento e o telefone era um grito



     O padre numa longa travessia viu um menino numa casinha no meio da estrada...logo perguntou: menino, tem água?
-não, tem aluá
-traga o aluá , que é muito bom...
o menino trouxe o aluá em uma cuia...
-ô aluá de gosto ruim
-é porque morreu um rato dentro
-eu não sei onde estou que não quebro esta cuia na sua cabeça
-por favor, quebre não que essa cuia é pra mamãe mijar dentro


     O velho Agostinho Sampaio disse:
-Vicente, vai no mato e corta um gancho assim(fez com os dedos para baixo o "v" do gancho) para fazer uma canga numa porca....
Vicente bateu o mato todinho e voltou sem nada:
- não encontrei
- um gancho assim , você não encontrou?( com o "v" para baixo)
-nããão, só encontrei assim , disse Vicente com o "v" para cima. Assim, como o Senhor quer, não tem de jeito nenhum.
- vem cá, José, tu que já andaste na Amazônia, já esteve na Bolívia, etc. vai tirar um gancho assim para botar a canga nessa porca.
Ele foi, chegou lá, só encontrava o gancho para cima, até que encontrou um gancho numa raiz do jeito que o patrão pedira, mas exclamou:
-Eu não vou levar, que eu não trouxe a medida do pescoço da porca, eu não vou levar, não.
...Era o mais sabido dos filhos da família...



     O cabra fez as compras na bodega e o dono deu-lhe um brinde de fim de ano:
- Tá aqui esse calendáriozinho, pegue esse calendário, pregue na parede. São 365 folhas, dá para 365 dias.
- E só eu posso arrancar?
- Não, todo o povo de casa, qualquer um pode arrancar!
...Quando chegou lá eram 19 filhos, arrancaram logo no outro dia de manhã 19 folhas...depois de umas 4 ou 5 semanas o velho chegou e disse:
- Zé Lopes, só outro, aquele acabou-se
- Não, aquilo dá para um ano
- Que conversa é essa!!! você tá brincando com casa que tem muita gente!!!



Eu amei uma donzela, era muito bonitinha
mas também aqui não tinha tão volúvel quanto ela
era bonita, era linda e era bela, mas era filha de um doutor
me consagrou muito amor, foi uma realidade,
um pavio ensopado de saudade lubrifica a catraca do amor.


No dia 02 de dezembro de 1959, eu parti de Pau dos Ferros para Brasília. Primeiramente, passei em São Miguel. Cheguei de 03 da manhã, tomei uma injeção que derramou tanto sangue, porque o enfermeiro aplicou a injeção, que foi preciso tomar o sangue de palavra. Aí saí e fui em Pereiro, de Pereiro fui para Icó, de Icó fui para Ouro Branco, de Ouro Branco  fui para Cajazeiras, Alagoinha, Pau-Mirim, Olhod'água do Melão, Brejo do santo, milagres, Japi, Poção, Salgueiro, Barra de Tarrachi, Canudos, Tucano, Poção, Euclides da Cunha, Jequié, Feira de Santana, Serrinha, alagoinha, Itabuna, Águas Boas, Piri-Piri, Vitória da Conquista, Nova Conquista, Vargem da Palma, Milagres, Sete Lagoas, Montes Claros, Itaubeiro, Serra da vacaria, Pirapora (atravessei o Rio São Francisco novamente), aí fui para Paracatu, Cristalina, Luziânia, Brasília.



   O Padre:
- Tá roubando as cajá alheia, filho?
-Não , senhor, catando as do chão!
-E as do chão não são do mesmo dono?
-Não , mas é desperdício...O nome delas é "jácaiu"  essa jacaiu é que tá perdida! "caijá" é essa que está para cair
A Cajá caiu e o menino disse:
- Essa não é mais "caijá", é "jacaiu"!!!
-Siiiim, você é muito sabido! Como você se chama?
-Eu não me chamo, não! O povo é quem me chama!
-Essa estrada vai pra onde, filho?
-Essa estrada não vai pra canto nenhum, não! O povo é quem vai nela!
-O que é que falta para você ser mais ruim do que promete?
-Vestir uma batina e rapar uma crôa!!!



     Eu fui a uma novena na Cachoeirinha, fui montado numa besta. Ninguém andava em besta que era de ignorar. Quando cheguei lá, disseram:
-Amarrem os cavalos de vocês aqui
Eu amarrei a besta na cerca...Um pouco mais e a besta pegou a bater os pés...Um pouco mais e lá vai a chiadeira dos cavalos, quando um cachoeirinha gritou:
-Os rapazes do Riacho do Meio só querem ser as pregas, mas tem um que anda é numa "iégua"!!!



Fui a uma festa no Encanto num burro cego de um olho. acompanhei o padre que ia num cavalo muito estribador, o burro cego de um olho... eu fui aprumado... chegando lá , botei o burro no cercado, paguei dois mil réis no outro dia para um cara ir buscar o burro, quando chegou foi com o burro alheio:
-taí seu burro!
Quando cheguei, o burro não era o meu , era o do velho Gonçalo Chaves. Eu voltei, cheguei na casa onde eu tava arranchado, fui buscar o burro no cercado, tava o burro fazendo bulandeiras e tinha furado o outro olho, aí eu avoei a corda no espinhaço do burro, para botar o cabresto, o burro abaixou e saltou chega roncava... pensava que era uma cobra que tinha laçado ele pelo pescoço e eu quase não chego em Pau dos Ferros com esse burro cego. E ele andava e sabia aonde tinha as aguadas para beber...tudinho ele acertava e não errava.



Fui levar um ofício em Martins, saí de 8 horas da noite de Pau dos Ferros e cheguei de 4 da manhã em Martins. No caminho, vi pisada de onça de toda qualidade, eu com uma fm de 8 tiros em punho, quando cheguei numa padaria que estava funcionando em Martins, esperei... aí quando vim de volta, cheguei na gruta. Estavam moendo e tinha uns olhos de cana verde... eu botei o burro para comer na bagaceira, o burro comeu, deu uma dor de barriga, o burro esticou e morreu...tirei 8 léguas a pé com a cela na cabeça.



     Quando era menino eu era bonito demais, aí as mulheres chegavam e diziam:
- Mas Romana, como é que tem um menino tão bonito desse jeito...ô menino bonito! Esse menino, se comesse um bocado de cabiloro detrás da porta do meio, a boniteza dobrava 3 ou 4 vezes a mais do que a dele!
E eu escutando...Aí lá em casa mataram uma criação, me deram um pedaço do pescoço do bode e o cabiloro tinha um gancho...aí eu fui, corri, pedi a mamãe, ela botou um pedaço para mim, tirei o cabiloro, corri pra detrás da porta do meio, que era uma camarinha, chamavam ela camarinha do milho, aí, cheguei lá, fui engolir para ficar bonito, o bicho foi e enganchou, uma perna entrou na garganta e a outra entrou na guela, aí eu fiquei morrendo engasgado, a cara mais horrível do mundo... aí eu fiquei bonito, mesmo , aí disseram:
-Ó o menino, como vem bonito aí!!!
Os olhos deste tamanho, nhaz de pular fora da caixa, danaram um murro no meu espinhaço, o cabiloro saltou lá no meio do corredor , uma cachorra engoliu e ainda se arrupiou todinha.



Sou eu Pedro Gameleira, sou feito na poesia
O mundo só presta assim, porque de tudo a terra cria
Por esses mundos além, quem se fica passe bem, adeus, adeus, até outro dia.


      Muito obrigado a vocês todos pela atenção que tiveram a mim, os trabalhos, o incômodo que dei a vocês todos, as brincadeiras que fiz para vocês, fiquei muito satisfeito com a minha vinda a Natal, me prestaram muita atenção, me trataram muito bem, recebi muitos presentes e fico agradecendo a todos os meus filhos e os meus netos, e as minhas irmãs, e os meus genros, todos aqueles que compareceram comigo perfeitamente, uma satisfação imensa que levo dentro de meu coração para séculos sem fim.  (saudação de despedida ao voltar para Pau dos Ferros após férias em Natal .02/01/1991)



Sou eu Pedro Gameleira, como a vocês eu tenho dito
Eu olhei num dicionário, encontrei meu nome escrito
Fazendo minhas rimas pomposas, nas festas religiosas do Alto São Benedito.



Eu estava em magno sossego pela vinda de Jesus
São esses os sinais da cruz: hebraico, latim e grego
Sem nenhum maior emprego, ali baixou o missionário
Foi feito um sepultário por Judas escarnecedor
Jesus gemeu uma dor ao pé do Monte Calvário




Eu estava na calçada, quando chegou Manelzinho Lagoa no sábado de 7 horas da manhã e disse:
- Pedro Gameleira, Inocêncio Gato morreu. Agora eu quero que você faça uma glosa e me dê por escrito. O mote é esse: "As portas da igreja abertas, esperando pelo poeta"

        Eu fui e disse:

Esta é a linha reta pra quem faz essa viagem
Precisa muita coragem, que a urna lá é secreta
Além disso é mais perpétua, é a morte que tem por certa
As portas da Igreja abertas, esperando pelo poeta.


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