Pedro Gameleira do Rêgo
100 anos
Pedro Gameleira do Rêgo , filho de Manoel Gameleira do Rêgo
e Maria Romana nasceu em Pau dos
Ferros/RN no ano de 1912. O macaibense Alberto Maranhão era o
governador do Rio Grande do Norte e Pau dos Ferros, que seria elevada à
categoria de cidade em 1924, era governada por um Entendente. O Presidente da
República era Hermes da Fonseca.
Naquele mesmo ano nascia em Exu/PE um dos ícones da cultura
nordestina e que ficou conhecido como “o Rei do Baião” : Luís Gonzaga.
Era fundado o Santos F.C. , clube que revelou o maior jogador de futebol
de todos os tempos: Pelé. Também em 1912 o lendário navio Titanic
afundou em sua viagem inaugural e os jogos olímpicos foram realizados em
Estocolmo na Suécia.
Pedro morou no bairro Riacho do Meio , depois no Alto São Benedito. Casou
com dona Guiomar Lopes de Queiroz
e com ela teve 22 filhos, dos quais 07 chegaram à idade adulta:
* Antônio
* Cícera
* Francisco(Gama)
* Francisco(Chiquinho)
* Maria
* Pedro
* Raimunda
Para sustentar a família trabalhou na agricultura, foi barbeiro e
pedreiro, entre outras habilidades. Em 1959 Viajou para trabalhar na construção
da nova capital do Brasil . De Pau dos Ferros a Brasília, Pedro atravessou o
país descobrindo um novo mundo, cuja sequencia de cidades costumava recitar uma
por uma(ver texto abaixo).
Gostava de contar estórias, piadas, poesias e glosas nas praças de Pau dos
Ferros ou em qualquer lugar que estivesse em companhia de amigos e pessoas
queridas. Apreciava também um bom forró .
Gostava de brincar com os netos e sempre vinha a Natal no mês de dezembro
visitar os parentes e alegrar a todos com suas estórias, piadas e rimas, as
quais selecionamos algumas.
Como homenagem pelos 100 anos do seu nascimento( 22/10/1912) e pelos
10 anos de sua partida para a casa do Pai Celestial(24/06/2002) e no
intuito de preservar a memória de um dos integrantes mais alegres e queridos da
Família Gameleira, está aqui
transcrito o conteúdo de uma fita cassete gravada entre os anos de 1991 e 1992
com a participação do seu filho Francisco Gameleira Sobrinho(GAMA) e seus netos
Flávio e Idalécio, em seus momentos de lazer junto ao Sr. Pedro
Gameleira do Rêgo. A fita original continua preservada e o conteúdo foi
remasterizado para o formato CD .
Casa onde morou ( Alto São Benedito-Pau dos Ferros/RN)
Seleção de
estórias, poemas e piadas de
Pedro Gameleira do Rêgo
Fonte: fita k7 gravada entre 1991/1992 em suas visitas de
fim de ano a Natal/RN.
Objetivo: Homenagem aos 100 anos de nascimento de Sr.
Pedro, 10 anos do seu falecimento e 20 anos de gravação da fita k7.
Obs.: As expressões regionais, bem como os nomes de
personagens citados nas piadas, poesias e estórias aqui relatadas estão de
acordo com a fita k7 original.
Eu vim
da Pescaria, era um lugar muito esquisito:
a
geladeira era um pote, o guarda-roupa, um cambito,
o
transporte era um jumento e o telefone era um grito
O
padre numa longa travessia viu um menino numa casinha no meio da estrada...logo
perguntou: menino, tem água?
-não,
tem aluá
-traga
o aluá , que é muito bom...
o
menino trouxe o aluá em uma cuia...
-ô
aluá de gosto ruim
-é
porque morreu um rato dentro
-eu
não sei onde estou que não quebro esta cuia na sua cabeça
-por
favor, quebre não que essa cuia é pra mamãe mijar dentro
O velho Agostinho Sampaio disse:
-Vicente, vai no
mato e corta um gancho assim(fez com os dedos para baixo o "v" do
gancho) para fazer uma canga numa
porca....
Vicente bateu o mato
todinho e voltou sem nada:
- não encontrei
- um gancho assim ,
você não encontrou?( com o "v" para baixo)
-nããão, só encontrei
assim , disse Vicente com o "v" para cima. Assim, como o Senhor quer,
não tem de jeito nenhum.
- vem cá, José, tu
que já andaste na Amazônia, já esteve na Bolívia, etc. vai tirar um gancho assim
para botar a canga nessa porca.
Ele foi, chegou lá,
só encontrava o gancho para cima, até que encontrou um gancho numa raiz do
jeito que o patrão pedira, mas exclamou:
-Eu não vou levar,
que eu não trouxe a medida do pescoço da porca, eu não vou levar, não.
...Era o mais sabido dos filhos da família...
O cabra fez as compras na bodega e o
dono deu-lhe um brinde de fim de ano:
- Tá
aqui esse calendáriozinho, pegue esse calendário, pregue na parede. São 365 folhas, dá para 365 dias.
- E só
eu posso arrancar?
- Não,
todo o povo de casa, qualquer um pode arrancar!
...Quando
chegou lá eram 19 filhos, arrancaram logo no outro dia de manhã 19
folhas...depois de umas 4 ou 5 semanas o velho chegou e disse:
- Zé
Lopes, só outro, aquele acabou-se
- Não,
aquilo dá para um ano
- Que
conversa é essa!!! você tá brincando com casa que tem muita gente!!!
Eu amei
uma donzela, era muito bonitinha
mas também
aqui não tinha tão volúvel quanto ela
era
bonita, era linda e era bela, mas era filha de um doutor
me
consagrou muito amor, foi uma realidade,
um pavio
ensopado de saudade lubrifica a catraca do amor.
No dia 02 de dezembro de 1959, eu parti de Pau dos Ferros
para Brasília. Primeiramente, passei em São Miguel. Cheguei de 03 da manhã,
tomei uma injeção que derramou tanto sangue, porque o enfermeiro aplicou a
injeção, que foi preciso tomar o sangue de palavra. Aí saí e fui em Pereiro, de
Pereiro fui para Icó, de Icó fui para Ouro Branco, de Ouro Branco fui
para Cajazeiras, Alagoinha, Pau-Mirim, Olhod'água do Melão, Brejo do santo,
milagres, Japi, Poção, Salgueiro, Barra de Tarrachi, Canudos, Tucano, Poção,
Euclides da Cunha, Jequié, Feira de Santana, Serrinha, alagoinha, Itabuna,
Águas Boas, Piri-Piri, Vitória da Conquista, Nova Conquista, Vargem da Palma,
Milagres, Sete Lagoas, Montes Claros, Itaubeiro, Serra da vacaria, Pirapora
(atravessei o Rio São Francisco novamente), aí fui para Paracatu, Cristalina,
Luziânia, Brasília.
O Padre:
- Tá
roubando as cajá alheia, filho?
-Não ,
senhor, tô catando as do chão!
-E as
do chão não são do mesmo dono?
-Não ,
mas é desperdício...O nome delas é "jácaiu" essa jacaiu é que
tá perdida! "caijá" é essa que está para cair
A Cajá
caiu e o menino disse:
- Essa
não é mais "caijá", é "jacaiu"!!!
-Siiiim,
você é muito sabido! Como você se chama?
-Eu
não me chamo, não! O povo é quem me chama!
-Essa
estrada vai pra onde, filho?
-Essa
estrada não vai pra canto nenhum, não! O povo é quem vai nela!
-O que
é que falta para você ser mais ruim
do que promete?
-Vestir
uma batina e rapar uma crôa!!!
Eu fui a uma novena na Cachoeirinha, fui montado numa besta. Ninguém andava em
besta que era de ignorar. Quando cheguei lá, disseram:
-Amarrem
os cavalos de vocês aqui
Eu
amarrei a besta na cerca...Um pouco mais e a besta pegou a bater os pés...Um
pouco mais e lá vai a chiadeira dos cavalos, quando um cachoeirinha gritou:
-Os
rapazes do Riacho do Meio só querem ser as pregas, mas tem um que anda é numa
"iégua"!!!
Fui a uma festa no Encanto num burro cego de um olho.
acompanhei o padre que ia num cavalo muito estribador, o burro cego de um
olho... eu fui aprumado... chegando lá , botei o burro no cercado, paguei dois
mil réis no outro dia para um cara ir buscar o burro, quando chegou foi com o
burro alheio:
-taí
seu burro!
Quando
cheguei, o burro não era o meu , era o do velho Gonçalo Chaves. Eu voltei,
cheguei na casa onde eu tava arranchado, fui buscar o burro no cercado, tava o
burro fazendo bulandeiras e tinha furado
o outro olho, aí eu avoei a corda no espinhaço
do burro, para botar o cabresto, o burro abaixou e saltou chega roncava... pensava que era uma cobra que tinha laçado ele
pelo pescoço e eu quase não chego em Pau dos Ferros com esse burro cego. E ele
andava e sabia aonde tinha as aguadas para beber...tudinho ele acertava e não
errava.
Fui levar um ofício em Martins, saí de 8 horas da noite
de Pau dos Ferros e cheguei de 4 da manhã em Martins. No caminho, vi pisada de onça de toda qualidade, eu com
uma fm de 8 tiros em punho, quando cheguei numa padaria que estava funcionando
em Martins, esperei... aí quando vim de volta, cheguei na gruta. Estavam moendo
e tinha uns olhos de cana verde... eu botei o burro para comer na bagaceira, o
burro comeu, deu uma dor de barriga, o burro esticou e morreu...tirei 8 léguas
a pé com a cela na cabeça.
Quando era menino eu era bonito demais, aí as mulheres chegavam e diziam:
- Mas Romana, como é
que tem um menino tão bonito desse jeito...ô menino bonito! Esse menino, se
comesse um bocado de cabiloro detrás
da porta do meio, a boniteza dobrava 3 ou 4 vezes a mais do que a dele!
E eu escutando...Aí
lá em casa mataram uma criação, me deram um pedaço do pescoço do bode e o
cabiloro tinha um gancho...aí eu fui, corri, pedi a mamãe, ela botou um pedaço
para mim, tirei o cabiloro, corri pra
detrás da porta do meio, que era uma camarinha, chamavam ela camarinha do
milho, aí, cheguei lá, fui engolir para ficar bonito, o bicho foi e enganchou,
uma perna entrou na garganta e a outra entrou na guela, aí eu fiquei morrendo
engasgado, a cara mais horrível do mundo... aí eu fiquei bonito, mesmo , aí
disseram:
-Ó o menino, como
vem bonito aí!!!
Os olhos deste
tamanho, nhaz de pular fora da caixa, danaram
um murro no meu espinhaço, o cabiloro
saltou lá no meio do corredor , uma cachorra engoliu e ainda se arrupiou todinha.
Sou eu
Pedro Gameleira, sou feito na poesia
O mundo só
presta assim, porque de tudo a terra cria
Por esses
mundos além, quem se fica passe bem, adeus, adeus, até outro dia.
Muito obrigado a vocês todos pela atenção que
tiveram a mim, os trabalhos, o incômodo que dei a vocês todos, as brincadeiras
que fiz para vocês, fiquei muito satisfeito com a minha vinda a Natal, me
prestaram muita atenção, me trataram muito bem, recebi muitos presentes e fico
agradecendo a todos os meus filhos e os meus netos, e as minhas irmãs, e os
meus genros, todos aqueles que compareceram comigo perfeitamente, uma
satisfação imensa que levo dentro de meu coração para séculos sem fim.
(saudação de despedida ao voltar para Pau dos Ferros após férias em Natal
.02/01/1991)
Sou
eu Pedro Gameleira, como a vocês eu tenho dito
Eu
olhei num dicionário, encontrei meu nome escrito
Fazendo
minhas rimas pomposas, nas festas religiosas do Alto São Benedito.
Eu
estava em magno sossego pela vinda de Jesus
São
esses os sinais da cruz: hebraico, latim e grego
Sem
nenhum maior emprego, ali baixou o missionário
Foi
feito um sepultário por Judas escarnecedor
Jesus
gemeu uma dor ao pé do Monte Calvário
Eu estava na calçada, quando chegou Manelzinho Lagoa no
sábado de 7 horas da manhã e disse:
-
Pedro Gameleira, Inocêncio Gato morreu. Agora eu quero que você faça uma glosa
e me dê por escrito. O mote é esse: "As portas da igreja abertas,
esperando pelo poeta"
Eu fui e disse:
Esta é
a linha reta pra quem faz essa viagem
Precisa
muita coragem, que a urna lá é secreta
Além
disso é mais perpétua, é a morte que tem por certa
As
portas da Igreja abertas, esperando pelo poeta.
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